Canto dos Lírios: Cantigas de amor e enxofre
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ANTI-DEMOS-CRACIA
ADC099JAN2022
Formato: Digifile contendo CD e Booklet
Design: Carlos Paes
Edição 1: 50 exemplares (ESGOTADO)
Edição 2: 48 exemplares
Composição da banda:
Rui Pacheco – autor das músicas e poemas e guitarra - ex-Bruant
Mário Resende – violino e arranjo de cordas - ex-Seres
José Henrique Almeida – voz, som e produção - ex-Seres
Músicos convidados:
Vitor Apolinário - violoncelo
Pedro Ribeiro - violoncelo
Maria João Pacheco - voz
Fernando Santos - voz
CANTO DOS LÍRIOS
Texto de Carlos Matos
A recuperação do acervo musical dos SERES e a respetiva edição da sua obra na profícua Anti-Demos-Cracia desencadeou uma reação em cadeia em que nós, melómanos ávidos pela descoberta de tesouros (mais ou menos) esquecidos, ficamos a ganhar. Das cinzas dessa banda e de outra sua contemporânea, os BRUANT, nasceram os CANTO DOS LÍRIOS, que agora, para espanto nosso, resolvem sair das catacumbas do tempo e nos dão a conhecer 11 temas, há décadas compostos e gravados, que merecem toda a nossa atenção. O processo de recuperação destas gravações teve a sua complexidade e o que podemos escutar em "Cantigas de Amor e Enxofre" só é possível porque a qualidade sonora das pistas originais, que já estava bastante degradada, foi meticulosamente restaurada por uma empresa especializada inglesa, que deixou essa matéria-prima de novo digna e pronta a ser reutilizável. Estava assim consolidado o passo que permitiu a regravação de algumas vozes e instrumentos, a gravação de vozes adicionais e as respetivas misturas.
A força motriz desta inesperada "ressurreição" foi o ex-Seres, José Henrique Almeida (voz, som e produção) que desafiou o ex-Bruant, Rui Pacheco (autor das canções e dos poemas, e guitarra) a dar uma existência digna e visível a este projeto estranhamente esquecido nas gavetas do Estúdio GAR, espaço que pertencia aos elementos do projeto e que albergava mais um grande número de bandas. O ex-Seres, Mário Resende (violino e arranjos de cordas), juntou-se ao duo e trouxe ao riquíssimo repertório de canções de Pacheco, a tonalidade musical que, de certa forma, nos remete para os Seres. Porém, a aura urbana destes foi aqui substituída por uma toada neoclássica, o que faz diferir substancialmente o âmago musical entre os projetos, ainda que a singularidade do timbre vocal de Almeida e a magia do violino de Resende vivam, indiscutivelmente, no território melódico dos dois. Ainda assim, a ausência de baixo e bateria em Canto dos Lírios, confere-lhes o toque diferenciador em relação aos Seres. De resto, a este trio talentoso, juntaram-se ainda os violoncelos de Vítor e Pedro Ribeiro, e as vozes de Fernando Santos e Maria João Pacheco.
Os primeiros acordes de "Outra Noite", o tema inicial do álbum, sugere-nos imediatamente Madredeus, no entanto, escassos segundos depois, percebemos que os Canto dos Lírios podiam ter coexistido no mesmo espaço musical da banda de Pedro Ayres Magalhães, sem dúvida, mas os seus elementos distintivos nunca os fariam confundir com os autores de "Existir". Essa ideia consolida-se à medida que vamos descobrindo o resto dos temas, onde sobressaem os arranjos das cordas, as harmonias vocais (a peculiar voz de Maria João Pacheco é "apenas" mais um ponto de singularidade) e a toada profundamente poética das letras que ondulam na complexa, porém fluente, rede de sons. E nem mesmo quando a criatividade lírica se aproxima do vernáculo (ouça-se "Cheira a Mijo") se perde o encanto das palavras e a forma como adornam cada compasso, cada sílaba, cada respirar, cada silêncio.
Também aqui, tal como nos Seres, a voz de Almeida evoca, mesmo que inconscientemente, uma certa Portugalidade que nos toca a alma de imediato, talvez devido ao timbre, meio choroso, meio fadístico, que tem. Esta música não é pop mas também tem capacidade de se colar ao cérebro como os caramelos aos dentes, sobretudo quando damos por nós meio hipnotizados a cantarolar o incrível "Bela Doce e Descalça" que foi escrita no nosso país nos anos 90 mas que poderia constar num qualquer álbum de Anna-Varney Cantodea nos seus Sopor Aeternus & The Ensemble Of Shadows. A música dos Canto dos Lírios é sombria por natureza e o dedilhado da guitarra de Pacheco, quase escultural, ornamenta os temas com uma arquitetura de fino recorte à qual não escapam, sequer, a ligeira evocação medieval de "Nas Ondas do Teu Cabelo" e o leve balanço barroco de "Sina Agreste", os dois minutos de "cantiga" que encerram em jeito de epílogo esta obra que, não sendo para todos, cresce a cada audição dos que ousam devotar-lhe tempo e atenção.
Marca | ADC |
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